O acelerado aumento da ocorrência de Monkeypox, ou ‘varíola dos macacos’, em países que até então não apresentavam registros da doença, levou a Organização Mundial de Saúde (OMS) a declarar situação de emergência em saúde pública de interesse internacional. Até o último dia 03 de agosto, de acordo com dados levantados pela Plataforma ‘Our World in Data’ da Universidade de Oxford, o Brasil era o sexto país com o maior número de casos da doença no mundo, acumulando 1.721 registros – montante confirmado pelo Ministério da Saúde. No último dia 02 de agosto, o Estado do Pará também confirmou o primeiro caso. Mas o que já se sabe sobre a doença e o que este cenário significa para o país?
O consultor do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (NEVS) da Fiocruz Brasília, Sérgio Nishioka, explica que a Monkeyox já era conhecida pela ciência há algum tempo. O que se observa de novo no cenário atual é uma forma clínica e de transmissão que, até então, não se tinha registro. O vírus do Monkeypox foi isolado pela primeira vez em macacos em 1958 e o primeiro caso humano foi detectado já em 1970.
Naquele período, ainda existia a varíola humana, mas já se estava em um empenho de buscar erradicar a doença, o que foi possível 10 anos depois. Diante desse cenário, naquele momento, houve um interesse em descrever e estudar melhor a Monkeypox, já que era uma doença que, do ponto de vista clínico, se assemelha à varíola humana. Esse interesse possibilitou que, hoje, a ciência já conheça um pouco mais a doença. “Depois que foi erradicada a varíola, a Monkeypox continuou a ocorrer apenas na África, basicamente em pessoas que tinham contato próximo com animais silvestres e que, inicialmente, adquiriam a doença porque caçavam esses animais para comer e, depois, poderia haver a transmissão de pessoa para pessoa, mas nunca em larga escala”, relata. “Até alguns meses atrás, esse cenário era o que se sabia sobre a doença”.
Se sabia, também, que existem dois tipos de vírus Monkeypox, um originário da África Central, que é mais grave e que mata em torno de 10% das pessoas que são diagnosticadas, e um que é bem mais benigno e cuja mortalidade é menor do que 1%. Segundo Nishioka, é essa variante mais benigna do vírus que está se espalhando pelo mundo e que já foi detectada em mais de 70 países. “Quando a doença, recentemente, passou a ser detectada em diversos países praticamente ao mesmo tempo, o que se tem observado é uma epidemiologia diferente do que se conhecia da Monkeypox na África. Ela tem sido diagnosticada com muito mais frequência em homens do que em mulheres e, basicamente, embora não exclusivamente, em homens adultos e que tinham praticado sexo com outros homens”, afirma. “Existe um estudo dos primeiros 500 e poucos casos observados nos Estados Unidos e, nesta casuística, 98% das pessoas diagnosticadas com a doença preenchiam esse critério. Essa é uma característica muito diferente do que se conhece, do que está descrito nos livros e do que se observava na África”.
Outra característica que tem sido observada a partir do surto no Ocidente, segundo o médico, é que muitas pessoas têm apresentado um número pequeno de lesões e que, muitas vezes, ficam restritas à região genital ou perianal, o que sugere que possa haver, realmente, uma transmissão, se não sexual propriamente dita, mas pela proximidade ou pelo atrito de uma das pessoas que esteja com o vírus, com uma outra pessoa suscetível, durante o ato sexual. “Clinicamente, não se está vendo com grande frequência aquelas pessoas que têm lesões pelo corpo todo, parecido com uma ‘catapora’ que a gente conhece hoje ou com o que era a varíola no passado, quando ela existia. Essas lesões mais limitadas, mais localizadas nas regiões genital e perianal, muitas vezes se confundem com outras doenças sexualmente transmissíveis, como o herpes simples, sífilis ou outras infecções sexualmente transmissíveis”.
Além da possibilidade de certa confusão diagnóstica, o médico infectologista aponta que ainda há a possibilidade de existir uma concomitância de infecções. “Já do ponto de vista de causar formas graves ou matar, ela continua com o mesmo espectro de ser uma doença considerada de baixa transmissibilidade, em comparação com outras doenças como a Covid, o sarampo ou a catapora, por exemplo”.
CENÁRIO
Apesar da menor transmissibilidade e ocorrência de casos graves, Sérgio Nishioka considera que o caráter atípico do cenário atual demanda atenção. “Toda a comunidade científica deve ter bastante humildade em reconhecer que estamos vivendo uma situação não vivida no passado, então, na verdade, ninguém pode dizer com certeza o que vai acontecer porque já estão acontecendo coisas que não se tinha visto antes, como essa forma clínica da doença, essa forma de transmissão”, considera. “Agora, não é a mesma coisa que a Covid, que é muito mais transmissível, muito mais grave, tem matado e terá matado muitos mais casos do que a Monkeypox. A preocupação que se dá é pelo fato de a doença estar se espalhando de forma bastante rápida por um número grande de países”.
Em alguns casos específicos, a Monkeypox pode vir a ocasionar mortes, como já foi registrada uma no Brasil, confirmada pelo Ministério da Saúde no dia 29 de julho. De todo modo, o médico aponta que esses quadros graves, geralmente, são observados em pessoas que têm imunodepressão, pessoas com câncer ou com outras causas de comprometimento da imunidade.
VACINA
No que se refere a uma possível vacina contra a doença, o médico explica que os imunizantes existentes, hoje, estão em número muito reduzido no mundo todo. “Aquela vacina desenvolvida no século XVIII e que foi usada e melhorada até a erradicação da varíola não seria mais aceita hoje, não existe mais. O que existe, hoje, são outros dois tipos de vacina. Uma é chamada de segunda geração, que é aprovada só para a prevenção da varíola e que é disponibilizada apenas em alguns países, particularmente nos Estados Unidos, que a utilizam nos membros das Forças Armadas por temor do vírus da varíola ser utilizado como arma biológica”.
A outra vacina é uma produzida por uma companhia dinamarquesa e que foi aprovada recentemente, em 2019, tanto para a prevenção da varíola, quanto para a prevenção da Monkeypox. “Essa vacina é a única que existe, atualmente, que é aprovada para a prevenção da Monkeypox”, esclarece. “Ela tem sido utilizada em alguns países que tem algumas doses, mas não existem grandes estoques dessa vacina porque ela nunca foi uma doença de grande interesse. Alguns países estão usando essa vacina, mas de maneira parcimoniosa, como em profissionais de saúde que tenham contato com pessoas doentes. Não há como fazer vacinação em massa porque não existe estoque suficiente no mundo”.
DOL
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