Drauzio Varella entrevistou a travesti Suzy Oliveira e a reportagem causou polêmica
Por sua grande visibilidade, o fazer jornalístico requer muita responsabilidade por parte de quem o produz, principalmente no que diz respeito à escolha de fontes e personagens para se contar uma história em reportagens especiais.
Em 1º de março de 2020, uma reportagem feita por Drauzio Varella para o programa “Fantástico”, da TV Globo, repercutiu nas redes sociais. A matéria retratava a vida de preconceito e abandono que detentas transexuais levavam em unidades prisionais masculinas brasileiras. Uma das personagens escolhidas para falar sobre a rotina que levava foi a travesti Suzy Oliveira, a qual, inclusive, ganhou um abraço do médico.
No entanto, dias depois, foi revelada a causa da prisão de Suzy: estupro e assassinato de uma criança de 9 anos. O fato chocou a opinião pública e causou revolta entre os familiares do menino que foi morto, que acionaram a Justiça para processar a emissora e Drauzio Varella.
Após julgamento, a juíza Regina de Oliveira Marques estipulou uma multa de R$ 150 mil a ser paga pela Globo e Drauzio Varella à familia da criança. A magistrada considerou que a emissora “abusou do direito de informação” ao veicular a reportagem sem expor o crime pelo qual Suzy foi condenada.
Emerson Ramos da Costa Lemos, pai do menino, pediu o aumento da indenização, sob a alegação de que a emissora tinha “pleno conhecimento” do crime cometido por Suzy e apresentou “um assassino como pobre vítima da sociedade”.
DEFESA
A defesa da emissora recorreu da sentença, e afirmou que a reportagem tinha o objetivo de mostrar a vida dura que as mulheres trans levam nos presídios, além da “precariedade do sistema penitenciário brasileiro e o preconceito contra as pessoas transexuais”.
Em novo julgamento, por unanimidade, os desembargadores da 1ª Câmara de Direito Privado derrubaram a sentença que condenou o médico e a TV Globo. O advogado Afranio Affonso Ferreira Neto, que defende a Globo e Varella, afirma que “o assunto era a calamidade penitenciária”. “Falava-se de miséria de presos. Jamais dos crimes que cometeram. Como sabiamente reconheceu o Tribunal”, comenta.
Relator do recurso, o desembargador Rui Cascaldi afirmou que “até se entende a revolta” do pai da vítima, mas, segundo ele, “admitir as suas alegações é direcionar a reportagem ao sabor da sua vontade pessoal, de forma a desvirtuá-la”. “Nela, realmente, não se menciona o crime sofrido pelo filho do autor, nem o nome da vítima. Nem deveria, pois tinha por finalidade mostrar a vida difícil das “mulheres trans” nas prisões brasileiras, a precariedade do sistema penitenciário brasileiro, além do preconceito contra as suas pessoas”. “Não seus crimes”.
O desembargador ressaltou que a emissora não é obrigada a “traçar as suas reportagens sobre as péssimas condições dos presídios brasileiros, tendo que mostrar os crimes praticados pelas detentas entrevistadas, pois não tinha por objetivo historiar o fato criminoso, mas, como já dito, as péssimas condições de carceragem das detentas trans, nisso residindo a sua liberdade de imprensa, direito que ora se lhe garante”.
Segundo o desembargador, se a emissora fosse obrigada a “veicular o crime cometido pelas entrevistadas, como quer o autor, em especial o cometido pela trans, Suzy, a finalidade da reportagem, de denúncia de uma grave situação carcerária vivida pelas detentas trans, perderia o foco e se tornaria uma odiosa execração pública daquelas que já estão a pagar pelos seus crimes, daquelas que já perderam o seu direito de ir e vir e que teriam direito, enquanto presas, a um tratamento mais humano”.
Veja a entrevista:
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